Não costumo publicar aqui textos que não meus, mas dado o depaupério anti-taurino, contra o mundo rural, a ruralidade e os direitos humanos, incluindo o direito ao bom nome, dados os insultos desbragados que um forcado morto foi alvo, dada a cada vez maior imbecilidade, muitas vezes acobertada com discursos pseudo-intelectuais e que se arrogam o de cultura, venho hoje aqui trazer, gentilmente enviado por ele, o texto do meu amigo Luis Capaucha, ontem publicado num jornal:
Festa de Toiros, celebração da vida
Não costumo responder às investidas do PAN contra a tauromaquia porque
considero que estaria a alimentar a estratégia de um partido que se vai
tornando irrelevante por culpa própria e que vê nelas uma tábua de
salvação. Vou a jogo porque deixar sem resposta
o artigo de Inês Sousa Real (ISR), líder do PAN, que o Público publicou
no dia 30 de agosto, pode deixar que pareçam razoáveis e verdadeiras as
invetivas que ali desfila.
A propósito da morte de um forcado e de um espectador no Campo Pequeno
ISR titula assim o seu artigo de opinião: “a tradição não pode valer
mais que a vida humana ou animal”. Concordo, nada vale mais do que a
vida, cada vida, e discordo radicalmente da equiparação
da vida humana à dos animais. Mas celebrar a vida implica esconder a
morte? É claro que vivemos num quadro cultural em que tanto se nega a
morte quando é próxima, como se exibem sem pudor matanças reais ou
lúdicas na esfera mediática (tradicional ou digital),
e essa é uma distorção cultural que não faz bem às nossas sociedades. A
morte existe e deve ser respeitada. E percebida como parte da vida.
Reconhecer a morte e enfrentá-la é celebrar a vida. Propõe ISR que se
abulam todas as práticas em que a morte pode ocorrer
podendo ser evitada? No desporto? No lazer, por exemplo, nas praias?
Quem não entende a morte, não pode compreender a vida nem a alegria
festiva com que se celebra. A celebração de rituais tradicionais, que
conformam identidades presentes, é espaço de vida,
mesmo quando se evoca a morte ou quando ela, infelizmente, pode
ocorrer.
Apresenta ISR o triste acontecimento da morte de um forcado valente na
arena que emocionou todo o país como pretexto para acabar com o
sofrimento causado pela tauromaquia a pessoas e animais. No discurso
anti-touradas é permanente a confusão entre pessoas e
animais, típica de um partido animalista como o PAN. Como o é a
tradicional confusão entre dor e sofrimento. São coisas muito distintas.
Pelo que nos ensinam as neurociências e nós já intuíamos, a dor pode
causar sofrimento, mas também felicidade, ao mesmo
tempo que o sofrimento e a infelicidade podem andar completamente
arredadas, e andam tantas vezes, do tipo de dor a que ISR se refere, a
física. Assim, calcula ISR o sofrimento que causaríamos a centenas de
milhares de portugueses que gostam de touradas se
estas fossem banidas? Sofreriam amargamente, como sofrem todos os
oprimidos!
Acusa ISR os interesses do lobby da tauromaquia de serem responsáveis
pelos acidentes que ocorrem numa praça de toiros. Pobre lobby, cujos
recursos são tão escassos quando comparados com os recursos da indústria
PET e das indústrias culturais que suportam generosamente
o lobby animalista. Uma gota de água taurina no oceano dos interesses
animalistas. Apesar desta desproporção de recursos, a Festa resiste e
persiste. Porquê? Porque as pessoas querem e porque a tauromaquia se
reproduz transmitindo-se enquanto cultura de geração
em geração. Enquanto houver democracia e crianças a brincar aos toiros,
haverá tauromaquia, uma arte maior que o nosso povo cultiva.
Já agora, sublinhe-se o tom completamente demagógico do artigo, revelado
na atribuição da causa da morte de um aficionado na bancada nessa noite
à comoção provocada pela morte do forcado. Esse espectador era um
grande aficionado que certamente se indignaria
com a vil utilização da sua morte para fins propagandísticos. Morreu,
ao que sei, devido a um aneurisma da aorta. A corrida de toiros é coisa
de emoções, mas quer ISR abolir s emoções e todos os contextos em que
se geram? A falta de respeito e de compaixão
de ISR não tem limites.
ISR jura que não a move o ódio e que o PAN não se regozijou nem
regozijará com a morte de pessoas. Oficialmente, talvez não, por
cobardia. Mas as mensagens indecentes passadas nas redes sociais, a
maioria da autoria de perfis falsos típicos dos anti-taurinos,
foram escritas por quem, senão por simpatizantes e militantes do PAN e
da plataforma Basta de touradas? Tanta hipocrisia! O PAN é, de facto,
responsável e autor moral dessas mensagens ignominiosas.
Afirma ISR que, segundo indicam vários estudos, a “maioria da população
portuguesa rejeita” as touradas, que “não deseja ver apoiadas com o seu
dinheiro”. Cabe perguntar: que estudos? Não há nenhum estudo credível a
suportar esta afirmação e a única sondagem
séria feita sobre o assunto, realizada pela Eurosondagem, mostra que os
que apoiam a proibição são uma escassa minoria, perto de 10%, sendo
quase o dobro os que afirmam gostar de toiros. E de que dinheiro fala
ISR? São centenas de milhares as pessoas que todos
os anos passam pelas bilheteiras das praças a comprar os seus bilhetes.
Estão, sim, dispostos a pagar e pagam. Subsídios do Estado? É mentira,
não há! Trata-se, talvez, da única atividade cultural que não é
subsidiada pelo Estado sendo que, pelo contrário,
contribui significativamente para o orçamento da cultura.
ISR continua a reclamar contra a presença de crianças em corridas de
toiros. Chama em sua defesa recomendações feitas pelo Comité dos
Direitos das Crianças das Nações Unidas e a Ordem dos Psicólogos.
Sejamos claros: nem o Comité nem a Ordem apresentam uma única
prova científica de que a participação de crianças, quer como
espectadores, quer como protagonistas em espetáculos adequados à sua
idade e desenvoltura técnica, tem efeitos negativos no seu carácter e no
seu comportamento. Pelo contrário, os estudos científicos
que se conhecem desmentem totalmente qualquer impacto negativo. Eu
próprio, com outros colegas, publiquei um artigo em revista científica
com revisão pelos pares em que se demonstra ser nula a relação entre a
densidade tauromáquica nos concelhos de Portugal
e os índices de criminalidade e os índices de desenvolvimento concelhio
– assim se desmentindo, de passagem, a ideia de que a tauromaquia é
coisa do passado, retrógrada e atávica. E o psicólogo David Guillén, da
Universidade Aberta de Madrid, vem há muito
investigando o impacto da participação de jovens em escolas de toureio e
em grupos de forcados no desenvolvimento da personalidade. Pois bem,
comparados com outros jovens, os impactos são muito positivos,
semelhantes à participação em desportos que exigem
muita concentração, foco, determinação e controlo. O que ele nos
explica é que os conteúdos violentos são filtrados pela mediação do
ritual e são descodificados pelos adultos significativos, que
transformam esses conteúdos em valores e atitudes positivas.
Para estes jovens não se justificam proibições de telemóveis nas
escolas, porque são mais sociáveis, mais autónomos e capazes de avaliar o
risco. Gostam dos animais, como gostava Manuel Maria Trindade, mas não
os confundem com as pessoas, nem substituem umas
pelos outros.
Indigna-se ISR que se possa realizar outra corrida de toiros no Campo
Pequeno, por falta de respeito. Suprema hipocrisia. E total
incompreensão do que está em causa. Desrespeitar a memória de um jovem
forcado como Manuel Maria Trindade, morto ao consumar uma
pega, seria negar a sua cultura, os seus valores. Esses são os valores
da coragem, do arrojo, do auto-controlo, da solidariedade, da amizade,
da confiança nos amigos, do amor ao toiro, e deixar que eles morressem
com o herói que, conscientemente, num ato de
suprema liberdade, celebrou o ritual sagrado do encontro com o animal
sagrado, bravo, força da natureza. Continuar a festa é também honrar os
seus heróis. A Festa de toiros é liturgia de morte e de vida, em que a
morte não é apenas representada simbolicamente,
é um perigo real. A generosidade de quem entrega a sua vida em supremo
sacrifício, é semente de vida, celebração da vida, que continua. É esse o
sentido profundo da Festa. A diversão de que fala ISR é apenas a espuma
que emana da vida, tendo na base a verdade
derradeira cuja perceção é própria do Homem, de nenhum outro animal.
Continuar as corridas é gritar liberdade e vida. E esse grito continuará
enquanto as praças de toiros continuarem a encher-se de pessoas,
cidadãos inteiros, que se revêm nesta Festa e se
projetam no exemplo dos seus heróis.
Luís Capucha
Sociólogo, Presidente da Associação de Tertúlias Tauromáquicas de Portugal